sábado, 16 de agosto de 2025

SE TEMOS ALGUM JUÍZO...

 

   

Cerração - Arquivo JRS 

      Manhã fria aguardando a primavera. A cerração parece teimar em impedir o caminho do sol. Ela tenta sempre, mas nunca consegue. O sol é imbatível, incapaz de ser contido. Não é por acaso que os primeiros humanos desenvolveram o sentido, criaram a palavra deus e o tinham como divindade. Dele vem todas as condições para a vida deste nosso planeta. No entanto, por cobiça de alguns, a nossa  Terra, o nosso Brasil está rumando ao despenhadeiro. Acabo de ler a notícia que senadores aprovaram o garimpo em terras indígenas. (Quem você imagina que preservou este território até a invasão dos portugueses?). E você pensa que a Mata Atlântica, o Cerrado, o Pantanal, as nossas praias, os nossos rios, o ar que respiramos etc. deixaram de sofrer importunação? Não mesmo!  Uma onda reacionária de políticos sem nenhum apreço pela vida, com requintes de mais maldades que as anteriores, avança em nosso país e no mundo todo. Uma onda tecnológica "faz a cabeça" de grande multidão desmerecendo respeitos, valores etc. Mentiras e ódio suplantam verdades. Quando iremos acordar, tal como o sol em muitas manhãs no inverno do alto da serra, tendo a coragem de dar um fim na cerração da alienação e das infinitas formas de ataques ao nosso lar (Terra)? Se temos algum juízo sobrando, bem disse Miguel Nicolelis, será melhor ouvi-lo com atenção.

     Um dia o sol se apagará, mas bem antes disso a vida findará neste nosso lar. Deuses e deusas não resistirão ao apagamento do astro solar. Esta Terra é a única! Alguém duvida? Porém, devemos fazer de tudo para adiar esse fim, deter as medidas formuladas em princípios gananciosos (de espoliação das comunidades tradicionais e de exploração sem limites das fontes de vida da nossa mãe maior). Por enquanto, tenhamos apreço pelo deus sol, mas muito mais pela deusa Terra e pelas vidas divinas da qual a nossa pequenez humana é apenas uma delas. Talvez as piores coisas que a humanidade faz seja apenas porque cada divindade posterior apenas tentem suplantar o sol que está na origem da nossa existência e disputem sua absoluta divindade entre si. Talvez... O certo é que ecologia é simplesmente cuidar deste nosso lar, desfrutar - igualmente! - com todos os seres desta energia que vem do sol!


sexta-feira, 15 de agosto de 2025

LEMBRANÇAS DA ALIX

     


Tio Genésio e Tia Maria - Arquivo Alix 

   A prima Alix, filha da saudosa Glorinha, teve como avó a minha querida tia Maria Mesquita, esposa do tio Genésio. Pensa num casal que eu adorava visitar para me satisfazer com prazerosas prosas!

   Tio Genésio era irmão do vô Zé Armiro. Estes, filhos do primeiro casamento do nhonhô Armiro. Todos da praia da Fortaleza, onde mamãe nasceu e nós vivemos por um tempo da infância. Depois de anos vivendo longe, fomos nos reencontrar no bairro da Estufa, onde tio Genésio e tia Maria já tinham morada  e uma participação comunitária intensa. A comunidade católica desse bairro deve muito a esse casal maravilhoso!   Dias desses, depois que eu enviei um texto falando da saudosa tia Maria à Alix, recebi a devolutiva que agora transcrevo.


   Saudades da minha vó. Dias atrás lembrei-me muito dela, das pessoas que iam todos os dias na casa dela para benzimentos, atrás de remédios de mato que ela fazia, suas garrafadas. O Donizete (filho dela) dizia que ia montar um consultório para atendimento das pessoas (risos). Tudo era conhecimento antigo que ela gostava de compartilhar. Quando ela ia na Fortaleza, sempre fazia questão de visitar a tia Aninha. As duas passavam a tarde conversando sobre as almas (que visitavam a referida tia). Eu, que acompanhava tudo, ficava sempre prestando atenção em tudo, cheia de medo (risos). Mas amava tudo aquilo que fazia parte da rotina da minha vó: desde o corte da taboa, a busca por ervas para as garrafadas, e, principalmente, conversas sobre as almas. 

  A minha vó também era grande contadora de história. No final da tarde, quase chegando a noite, a sala dela se enchia de crianças para ouvir suas histórias. Ali ouvíamos o negro do surrão, histórias de princesas, o bordão encantado, o anel de ouro... e por aí vai. Não sei de onde ela tirava tantas histórias para contar. Minha vó era uma pessoa que nunca foi à escola e que aprendeu a ler sozinha a Bíblia. 

   Valeu, querida Alix!


    


quinta-feira, 14 de agosto de 2025

OS PRIMEIROS TURISTAS (II)

 

Por aqui era a Colônia - Arquivo JRS 

    Ao ser inaugurada  a primeira via rodoviária (a atual SP 125-Rodovia Osvaldo Cruz) a ligar Ubatuba a outras cidades, os taubateanos com certo poder aquisitivo foram os primeiros privilegiados. Por isso, em 1933, o empresário Félix Guisard comprou o Casarão do Porto e outras propriedades no território ubatubense. 

  Dando continuidade à primeira parte, irei explicar porque os operários da Companhia Taubaté Industrial (CTI) e suas famílias foram, de fato, os primeiros turistas de Ubatuba. Simplesmente eles foram os primeiros a descerem a serra em grande quantidade! Ou seja, a Colônia de Férias criada pelo patrão alavancou a atividade turística em  nossa terra. Quer atrativo maior que o mar e as praias? Quer alegria maior à classe trabalhadora em poder desfrutar de tal lazer?

   O velho Hilário e outros dos antigos que tive oportunidade de escutar narravam da movimentação intensa no tempo das férias escolares (que outrora duravam três meses ao ano), com cidade lotada e muitas novidades para o povo do lugar. A pesquisadora Cláudia Martins descreve o ambiente festivo daquele tempo de lazer na colônia:


   Homens e mulheres não escondiam a alegria. Todos se conheciam muito bem, por causa da convivência na CTI, mas em Ubatuba eles se soltavam ainda mais. As mulheres colocavam os seus maiôs de banho, aqueles modelos mais "comportados", característicos do início do século XX; e os homens vestiam um calção. E todos iam juntos ao banho de mar (...). Os operários organizavam um concurso para escolher as operárias mais bonitas: depois da votação era eleita a "Miss Fábrica Nova" e a "Miss Fábrica Velha". À noite a Colônia de Férias se agitava com os bailes temáticos, como o "Baile do Havaí", tantas vezes realizado.

   A ideia de levar os operários a Ubatuba veio logo no momento em que o empresário conheceu o litoral norte (...). Ao se maravilhar com aquela natureza intocada, Félix fez seus planos:

  - É preciso colocar essa cidade ao alcance dos operários da CTI, disse ao seu filho Raul. E Guisard perseguiu esse sonho insistentemente até conseguir realizá-lo.


   Você consegue imaginar a leva de turistas taubateanos que conheceram Ubatuba a cada três meses por ano, graças ao Félix Guisard? É por isso que eu digo: essa gente trabalhadora foram os primeiros turistas!


Observação: Já existia uma estrada que preenchia  parte do percurso da atual rodovia. Era uma variante da Estrada Real. 



    

quarta-feira, 13 de agosto de 2025

OS PRIMEIROS TURISTAS (I)

 

Espaços da Colônia - Arquivo JRS 

   Em tempo de empenho de tanta gente querendo sufocar, tirar a folga semanal, apertar mais ainda a lida pela sobrevivência da classe trabalhadora, é muito importante saber que os direitos trabalhistas foram conquistados pelas lutas operárias e não por bondade dos patrões. Porém, nem todos os empresários são obtusos ao ponto de deixar de reconhecer que trabalhador feliz produz mais e melhor. Assim, investem em melhorias no ambiente de trabalho, na política salarial e na promoção do lazer. Foi nesta direção que Félix Guisard conduziu os seus empreendimentos. Não foi à toa que ele, na parte de trás do Casarão do Porto, no centro de Ubatuba, edificou a Colônia de Férias aos funcionários e familiares da Companhia Taubaté Industrial. Hoje, ao passar naquelas ruas estreitas nas proximidades do Mercado de Peixes, vendo as fachadas grudadinhas umas às outras, fico imaginando pessoas alegres em outros tempos, se divertindo no pacato local que era esta cidade em meados do século XX e tendo como grande paixão os banhos de mar e sol na praia do Perequê-açu. Podemos afirmar que o velho Guisard foi muito importante na apresentação da nossa cidade ao turismo. (Porque mais e mais gente quis descer a Serra do Mar e conhecer as maravilhosas praias deste pedaço do Brasil).


    No livro Félix Guisard, a trajetória de um pioneiro, a escritora Cláudia Martins registra:

    A construção de uma Colônia de Férias apropriada foi concluída em 1941. Cerca de 1.500 operários e suas famílias inauguraram o conjunto de edifícios que constavam com instalações sanitárias, refeitórios, salão de bailes, sala de projeções, pequenos  apartamentos - resultado de investimento de milhares de contos de réis. "É a primeira Colônia de Férias para operários que se inaugura na América do Sul", relata a reportagem publicada pela Folha de São Paulo, em 12 de agosto de 1941.

  Talvez toda a mordomia não tivesse tanto valor aos operários quanto a presença do presidente da companhia ao passeio. Félix Guisard fazia questão de acompanhar os trabalhadores em suas férias. Aos 79 anos sentia-se como um adolescente em meio a tantos divertimentos. O patrão, que parecia mais amigo do que chefe, também levava a família e, junto com os operários, participava de todas as atividades e sentia-se satisfeito por poder oferecer essa alegria às pessoas que mais colaboravam com o seu crescimento.


terça-feira, 12 de agosto de 2025

REBENTAÇÃO

 

Capa do livro - Arquivo JRS 


  Dias desses eu ganhei um presente que adoro: livro. Foi dos estimados Jorge e Joana que veio parar em minhas mãos, com o título de Rebentação, escrito por Renata Conde, uma prazerosa leitura. Classifico assim a narrativa, sobretudo para quem nasceu e cresceu na beira do mar, na cultura caiçara. 

  Nas páginas da Rebentação, parecia que havia muitos momentos familiares. A autora foi feliz em captar o ambiente da beira mar, da gente da pesca. Teve um momento em que eu me recordei do tio Dico do Puruba quando me explicou o sumiço das ostras dos rios Puruba e Quiririm: "Ah, meu filho! A minha gente toda foi criada com as ostras daqui. Era fartura, só das grandes. Acho que você nunca vai comer um escardado de ostra. É coisa de lamber os beiços e depois dormir! Faz tempo que não tem mais; de vez em quando as crianças, mergulhando, pegam umas e outras, mas não é nada diante do que tinha. Sabeis como se acabou? Foi uma maré de óleo que entrou barra adentro, matou tudo. Faz tempo. Eu era novo, ainda namorava. Até hoje a nossa água não se recuperou". Uma história parecida eu escutei em prosa com o saudoso Genésio do Cambury: "Aqui tinha muita ostra neste nosso rio, mas hoje em dia não se encontra uma para remédio. Elas desapareceram quando passou a estrada [BR 101 - Rio-Santos] lá em cima, despejando por muito tempo barro na cachoeira. O nosso rio ficou barrento um tempão. Acho que foi isso que matou tudo". A autora, recorrendo a um fato histórico (o petróleo que alcançou o Nordeste brasileiro no ano de 2019, onde os pescadores sentiram-se só na empreitada de conter um acidente que foi muito pior devido ao descaso dos poderes constituídos na época, de uma presidência que produzia noite durante o dia de tanto incendiar florestas), nos emociona porque somos parte do mar e de suas vidas que correm em nossas veias: "O petróleo tomou tudo. A  areia estava fúnebre, pontilhada de manchas de dois, três metros quadrados, que eram continuamente regurgitadas pelo mar. Cada porção de gosma tinha a espessura de um colchão de luxo, no qual nunca ninguém dali havia dormido. O óleo tinha atravessado a rebentação. Foi além da dor". 

  Por fim, me emocionei quando a autora cita uma praia onde estão os parentes, gente dos Lopes: "Essa história foi escrita pelas comunidades originárias de Ubatuba (...) que construiu em mim a ideia de mar, lugar em que o conheci. Foi onde vivi a surpresa do gosto salgado e da força das ondas. Ali me sentei com pescadores da Comunidade da Praia do Peres e aprendi". Sim, minha irmandade! Ela está se referindo à Prainha do Peres, no caminho do Bonete, onde nasceu e se findou o tio Zaca, o Tobias e tanta gente nossa! Ah, quantas prosas eu pude ter por ali! Por isso recomendo a leitura e sou grato à sensibilidade da Renata. Valeu! Gratidão ao Jorge e Joana pelo presente!


Em tempo: a minha maior preocupação - e de muita gente no momento! - é com essa onda reacionária contra a cidadania comprometida com os mais excluídos e contra os nossos direitos tão arduamente conquistados. O medo que eu tenho é que ela avance, passe a rebentação da democracia e nos sufoque de vez.

segunda-feira, 11 de agosto de 2025

TEMOS A ARTE...

  

Divulgação - Fundart

  Estão abertas as inscrições para o Concurso Literário 2025. Eu tenho a honra de ser o patrono do Concurso de Crônicas. Participe desse evento que custou tanto empenho de outras gerações e que segue sendo a aposta de novas cabeças. Prestigie a cultura e saiba que assim vamos contribuindo para resistirmos ao retrocesso a que estamos sujeitos por parte da ganância de pouquíssimos. Acesse a página da Fundart (Ubatuba) e participe com sua poesia, com seu texto teatral, com sua crônica! 


  A Fundart avisa: No período  de  26  de  julho  a  10  de  setembro  de  2025  estarão  abertas  as  inscrições para o Concurso Literário do Ano de 2025. E continua: no  referido  concurso  acontecerá  o  11º  Concurso  de  Crônicas  “Prof.  José  Ronaldo  dos  Santos. 


 A  temática  é  livre  e  as  crônicas  deverão  ser  inéditas  e  apresentadas  como  anexo  ao  formulário,  em  todos  os  casos  em  estilo  padrão  com  extensão  DOC  (Word,  LibreOffice  writer,  dentre  outros), fonte Times New Roman e tamanho 12. Identificados apenas com o pseudônimo. 

 “CRÔNICA  –  É  uma  narrativa  histórica  que  expõe  os  fatos  seguindo  uma  ordem  cronológica.  A  palavra  crônica  deriva  do  grego  “chronos”  que  significa  “tempo”.  Nos  jornais  e  revistas,  a  crônica  é  uma  narração  curta  escrita  pelo  mesmo  autor  e  publicada  em  uma  seção  habitual  do  periódico,  na  qual  são  relatados  fatos  do  cotidiano  e  outros  assuntos  relacionados  à  arte,  esporte,  ciência  etc.  Os  cronistas  procuram  descrever  os  eventos  relatados  na  crônica  de  acordo  com  a  sua  própria  visão  crítica  dos  fatos,  muitas  vezes  através  de  frases  dirigidas  ao  leitor,  como  se  estivesse  estabelecendo  um  diálogo.  Alguns  tipos  de  crônicas  são  a  jornalística,  humorística,  histórica,  descritiva,  narrativa,  dissertativa,  poética  e  lírica.  Uma  crônica  relata  acontecimentos  de  forma  cronológica  e  várias  obras  da  literatura  são  designadas  com  esse  nome,  como  por  exemplo:  Rubem  Braga  (Recado  de  Primavera,  A  Traição  das  Elegantes);  Lima Barreto (Crônicas Escolhidas, Feiras e Mafuás). Um  exemplo  de  crônica  é  a  argumentativa  que  consiste  em  um  tipo  mais  moderno  de  crônica,  no  qual  o  cronista  expressa  o  seu  ponto  de  vista  em  relação  a  uma  problemática  da  sociedade.  Neste  caso  específico,  a  ironia  e  o  sarcasmo  são  frequentemente  usados  como  instrumento  para  transmitir  uma  opinião  e  abordar  um  determinado  assunto.  Outro  exemplo  é  a  humorística,  na  qual  o  cronista  escreve  o  texto  apresentando  uma  visão  irônica  e  bem-humorada  dos  acontecimentos. (Millôr Fernandes é um dos meus preferidos neste quesito).


Observação: 

O título desta postagem é inspirado na frase de Nietzsche que diz: "temos a arte para não morrer da verdade"

sábado, 9 de agosto de 2025

VIAGEM NO ESPAÇO

 

Que lindo! - imagem IA

      O mano Mingo (Domingos Fábio dos Santos) vem aí com uma série de poesias para crianças. Eis mais uma porção de pérolas desse meu irmão que, desde criança, lia muito. Ao contrário do resto da irmandade, preferia ler do que fazer artes, ver as novidades ou escutar prosas no lagamar. "Esse menino vive entocado, só lendo", dizia a saudosa mamãe. Cada um cada um, né?

     Mas mesmo assim, andando pela trilhas da Queimada (no Sapê), olhando os navios lá longe na Badeja (Fortaleza), buscando banana no Morro do Licínio (Perequê-mirim), explorando o Sertão da Sesmaria (Estufa) ou correndo em suas aulas de um lado para outro, ele foi sentindo, captando poesia até nos ventos. Agora, aproveitando a merecida aposentadoria, ele revira os amontoados de textos, as pequenas anotações em páginas de livros ou folhas soltas que resistiram aos trancos e barrancos a que todos nós estamos sujeitos, vai compondo livros e nos presenteando. É um olhar caiçara sobre um tempo com todas as nossas coisas e os nossos seres tão estimados. Quer mais? Veja barbatuba.blogspot.com

Observação: vem aí uma fornada de 4 livros de poemas para crianças. 50 páginas cada.


A pequena viajante decola

para iluminar as estrelas

com seu riso contagiante

e para ver o mundo

em visão grande angular:

Montanhas são rugas no rosto da Terra,

rios são caminhos que descem da Serras,

Seres humanos são formigas atarantadas

procurando as pessoas amadas.

A rampa de lançamento

para uma criança viajar no espaço

e ter olhos de querubim

é um balanço de jardim.