terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Entrevista no Camburi (VIII)


Casa do seo Genésio e da dona Irene, no quilombo do Camburi.



J.R.: Não morava ninguém lá?

Genésio: “Não, não senhor! Nessa época não morava ninguém. Então, foi depois que se acabou o João Chico; que ele morreu; acabou-se ele. O Mané Chico, que era filho, que era cunhado do Ieié, morava aqui no Camburi; casou-se com uma moça da Trindade. Morava aqui no Camburi. Então acabou.  Aí começou a aparecer essa luz na praia Brava. Agora, fora disso, no tempo do meu tio Zeferino, que nós fazia para pescar lá na Espia, trabalhando com carapau, com o charelete...Então, num dia como hoje, assim, o senhor contava de dois, três... até quatro; até cinco pessoas na praia Brava do Camburi passando... passando pra cá... Passando tudo pro Camburi. Só que esse povo... O senhor contava às vezes até quinze a vinte pessoas; passando durante o dia na praia Brava, vindo para cá e... não aparecia ninguém aqui. É gozado. É interessante isso. O meu tio Zeferino ficava curioso. Eu cansava de ver essas coisas. O meu tio Zeferino dizia assim: ‘Agora você vai na ponte’. Na saída da casa da oficina, que tudo que vinha direto tinha que passar ali. ‘Vocês vão ver o que passa ali’. As vezes vinha, sim, pessoa que tinha de fazer compra. Fazer compra na Picinguaba, sabe? Negócio de um, dois, três, quatro pessoas. Mas tinha dias que você contava vinte pessoas. E aqui não aparecia. Acontecia na praia Brava do Camburi. Agora, aqui no Camburi, aqui, isso deve fazer uns três anos. Nem tanto! Aconteceu uma coisa comigo que, isso que eu vou falar pro senhor aqui já está nos Estados Unidos. Muitos grupos...eu não sei se praquele grupo que acompanhou o senhor aqui [está se referindo aos setenta adolescentes da escola Deolindo que visitaram o quilombo em 2005]eu falei isso. Eu não tenho lembrança agora. Então, aconteceu uma coisa comigo aqui: eu vim no horário de verão de Ubatuba, na parte da tarde. Então, eu saí de Ubatuba às cinco horas da tarde e chego aqui às sete horas. O sol tá quente ainda; o sol tá aparecendo, não clavou, não terminou ainda o sol... Sete horas aqui no Camburi. E eu, vindo de Ubatuba, vinha com duas sacolas, mas só... que o senhor veja: eu tenho o costume de não deixar o cajado. Eu quando vou para tomar o ônibus lá em cima, eu deixo no mato, escondido, o cajado. Quando  venho eu pego; às vezes por causa de uma cobra, às vezes por causa de um cachorro. O meu costume é isse! Ao descer lá em cima, eu vinha com duas sacolas de compras, encontrei com dois garotos no caminho, e tal. Vim embora. Quando chegava aqui perto, aond permaneceu uma empresa, da época dos ingleses, que abriu falência,não é? Pra mim descer para pegar o lajeado de cimento no rio (que hoje tem o lajeado de cimento), ia assubindo uma pessoa da praia pra cima, para a estrada. Eu olhei; me dava assim jeito do... pela estatura, aparência...assim do Isaías, meu sobrinho, que tem aqui embaixo, na praia. Eu digo assim: ‘o Isaías vem ali – meu sobrinho. Mas só que... adiante da empresa um bocadinho, aonde era o assento da empresa mesmo, do lado de baixo. Quem de cima para baixo fica na mão direita, tem alguém de pé. Um pedrão muito grande; tem as árvores; tem os mangues tudo por cima das pedras; tem um tronco. E o camarada foi assubindo deu comigo que vinha descendo; descendo de tarde. O camarada foi se encostando na pedra, foi se encostando na pedra... e aí, no encostar da pedra, eu fiquei meio cabreiro. Disse: ‘Ué!? Se o camarada se encostou na pedra, ele quer fazer qualquer uma coisa comigo’.  Quer me dar uma cacetada; alguma coisa quer fazer comigo. Aí vim meio cabreiro: ‘Ué!? Que negócio é esse?’. E no encostar da pedra, esse cidadão sumiu, desapareceu. ‘Ué!?’.  Desaparecendo, que seja, eu vim meio cabreiro. ‘Deve ter entrado aí para uma necessidade qualquer’. E o camarada sumiu na pedra. Encostou na pedra... E eu olhando. Desapareceu o cidadão. Eu disse assim: ‘Ué!?’. Aí vim. Quando cheguei em frente, onde o camarada tinha sumido, desaparecido, eu arriei as duas sacolas e compras e passei a mão no cacete, no cajado, e fui fazer a procuração na beira do barranco, olhando em cima da pedra, olhando nas árvores... E ali, o senhor sabe, não vi nada, mas aquilo não me deu choque, nem meteu medo. Mas nada mesmo! Disse comigo mesmo: ‘Interessante! Interessante! O camarada desapareceu aqui. É o Isaías! A aparência; tudo, era o Isaías, o meu sobrinho. Mas... tudo bem! Olhei, procurei, não vi nada.  Voltei, peguei as sacolas –as duas sacolas. Quando peguei as duas sacolas, que levantei o cajado, olhei para trás: um cidadão, já como um sobrinho meu, filho do Alaísio, por nome de Sadraque. (Esse rapaz casou casou agora em Paraty). Era menor; era bem menor –o menino. Olhei o Sadraque em pé olhando pra mim. Olhar parado para mim. Eu digo assim: ‘Ué!? Que coisa engraçada! Era o Isaías; agora pareceu este cidadão, pertinho assim de mim’. Bom, aí eu digo assim, me veio aqui na lembrança, eu digo assim: ‘Isso aí é coisa do inimigo’. Aí eu arriei de novo a sacola, as duas sacolas. Arriei de novo, passei  a mão no cajado e comigo disse assim: ‘Senhor Jesus: o seu sangue tem poder’. Mas falei comigo mesmo, sem soltar a voz, baixinho. ‘eu, em nome do Senhor Jesus, eu vou te meter o pau. Eu vou te meter o cajado, mas o sangue do Senhor Jesus tem poder contra ti. É o Satanás; outra coisa não é’. Aí arriei de novo as duas sacolas de novo no chão. De dentro do caminho eu passei a mão no cajado e levantei. Quando alevantei e me aproximei sobre ele, ele desapareceu novamente. O inimigo que parecia o Sadraque desapareceu. Voltei, olhei, mas sem me meter medo nada, nada, nada... Rodei aquilo tudo, olhei... Desapareceu de novo!  Voltei. ‘O inimigo veio; taí, mas eu não enxergo ele’. Bem aonde foi o assento da indústria dos inglês, da companhia dos inglês, na época. Aí voltei, passeia a mão na sacola; levantei. Quando levantei e dei dois passos na frente, o cidadão – o mesmo! – com um pandeiro na mão; batendo o pandeiro  e fazendo aquela micagem toda para mim; cantando. E cantando! Então, o pandeiro dele...”

J.R.: E entendia a música?

Genésio: “Não, não senhor. De jeito nenhum! Parei para entender a música dele. Nada, nada! Aí eu não enfrentei mais ele. Eu digo: ‘Não adianta, né?’. Aí desci para baixo. Aí vim descendo”.

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